O festim macabro da Consolação
- Alline Suemi e Bryann Sena
- 27 de jul. de 2016
- 4 min de leitura
Figura 1 – Pintura “Ophelia” de John Everett Millais
Álvares de Azevedo foi o autor que representou com maior maestria a escola em que se encontrava, o Ultrarromantismo. Desta maneira, ele é o integrante da Sociedade Epicuréia mais estudado, mas este fato não se dá apenas no presente, pois ainda em 1952, no dia 25 de abril, para ser mais preciso, após um ano de sua morte o jornal A Gazeta criou uma edição descrevendo a grande importância de seus feitos para a literatura daquela década. Assim, trazendo ao público uma matéria com o objetivo de mostrar uma das comemorações boêmias da Sociedade, que tem como título “O festim macabro da Consolação”. A seguir, veja um trecho do jornal.
O festim macabro da Consolação
Há outro fato, recolhido por Pires de Almeida no seu trabalho “A Escola Byroniana no Brasil”, que não obstante entenderem alguns que se tenha passado anos depois, na época de Fagundes Varela, é dado por muitos como da fase de Álvares de Azevedo e por iniciativa dos membros da Epicuréia. Esta segunda hipótese possui visos mais fortes de verdade.
Um grupo de estudantes esquentados pelo álcool penetrou, de madrugada, no cemitério da Consolação e revolveu túmulos e ossos. De repente, houve entre eles quem lançasse a ideia de proclamarem a rainha dos mortos. Bêbados como estavam, fizeram arruaça infernal e, em seguida, foram em busca de Eufrásia, pobre mundana e conhecida como imbecil. Arrombaram a loja Americana e se apoderaram das insígnias maçônicas, com as quais se enfeitaram, e também de um caixão funerário. Vestidos com paramentos da loja maçônica, entraram no lupanar, pegaram Eufrásia, envolveram-na no lençol e meteram-na no ataúde. Saíram à rua, em cortejo, acompanhados pelo famoso padre Bacalhau, suspenso de ordens sacerdotais.
Cantando a “canção dos estudantes” de Goethe, os discípulos de Byron voltaram à necrópole. Pararam no tumulo que tinha a inscrição: “Judite, 20 anos”. Tratava-se da linda Judia, filha do hoteleiro Israelita do Pátio do Colégio, que morreu de amor exatamente por um dos estudantes do grupo. Este não sabia da morte da jovem, porque estivera fora e regressara naquela noite. Ao dar com a realidade, viu-se atacado de momentânea loucura, escavou a terra e tirou da cova o cadáver da amada, que abraçou e beijou em acesso de desatino. O quadro lúgubre lhe agravou o desequilíbrio, e o estudante berrou, largando o cadáver da namorada:
-Eia, rapazes! É tempo de celebrarmos as bodas da Rainha dos mortos!
Soltou em cima do ataúde, onde haviam fechado a infeliz Eufrásia. Mas recuou. A decaída morreu de pavor. Isso motivou inquérito policial, porém a autoridade não conseguiu descobrir os autores da profanação e mesmo da morte culposa de Eufrásia.
(A Gazeta, 25 de abr., 1952)
A partir do texto lido acima e depois de pesquisar sobre o assunto, entende-se um pouco mais sobre os acontecimentos ocorridos no Cemitério da Consolação, que se localizava próximo a universidade que frequentavam. Primeiramente, tem-se a hora exata em que o festim começou, à meia-noite, como de costume para as reuniões dos estudantes. Lá eles bebiam, usavam entorpecentes e reviravam covas profanando corpos de moças que morreram na juventude, muitas delas eram as musas idealizadas destes poetas. Todos eles, naquela noite, haviam assumido nomes de personagens criados pelo poeta inglês romântico Lord Byron (nomes como Manfredo, Marino, Beppo, Mazeppa, Caim, Conrado, Faliero, Giaour e Sardanapalo) e vestiam trajes típicos dos cavaleiros da ordem de Rosa Cruz. No auge das loucuras que realizavam, decidiram aclamar uma rainha dos mortos, a escolhida foi Eufrásia, uma prostituta e irmã de um deles. Mas antes de ir em busca da futura rainha daquela macabra festança, eles precisavam de um caixão, tal qual foi encontrado e acolhido ali mesmo no cemitério, após tirarem o esqueleto de uma velha. Logo depois saíram do cemitério com o caixão nos ombros e passaram a andar pelas ruas em celebração. Olhos curiosos apareciam entre as frestas das janelas, mas ninguém desconfiou o que de fato estava acontecendo, visto que passavam por uma epidemia de varíola, logo imaginaram que mais um velório estava sendo feito. Quando chegaram à porta de Eufrásia, o irmão da moça a enrolou em lençóis e a pôs no caixão. A pobre menina relutou, mas seu esforço foi em vão. Em poucos minutos todos estavam de volta à Consolação. Proclamaram o noivo da moça presa dentro do caixão, mas quando o mesmo começou a chamada “noite de núpcias” através de citações literárias, percebeu que na verdade tinha casado com o corpo de Eufrásia já sem vida, rapidamente anunciando para os colegas. Mesmo assim, há registros de orgias antes e depois da então descoberta feita pelos estudantes. Enquanto isso, desde a volta ao cemitério, um dos jovens achou o túmulo da amada, ele não sabia que ela tinha morrido, logo então entrou em desespero, tirou a moça, Judite, da cova e olhou o corpo nu dela, depois passou a beijá-la. Tudo isso resultou em um processo e na condenação deles pela morte de uma mulher, seguidos da fuga dos mesmos pela negligência das autoridades.
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