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Conto: "Apenas outra noite"

  • Eduarda Menezes
  • 14 de out. de 2016
  • 4 min de leitura

Apenas outra noite

Por: Eduarda Menezes

Eram dez minutos para meia-noite, a hora exata para se sair.

Não eram precisos tantos passos para se chegar a um centro movimentado e

boêmio, o lugar perfeito para um desdenhoso como eu, mas meus passos vacilantes e

tensos mal me tiravam do lugar e faziam com que o caminho se parecesse uma

eternidade o qual não era.

Não era medo, muito menos covardia, o porquê da minha ausência de vontade,

era tudo consequência da vida fúnebre que me seguia.

Dobrei só mais uma esquina e cheguei a uma rua mal iluminada. Lá havia pouco

mais de uma dúzia de lampiões acesos, mas a avenida que se seguia era tão longa que os tornava praticamente nada. Inúmeras casas que se seguiam permaneciam fechadas quase que com medo da escuridão e seus amantes.

Mas também havia as abertas, ah, as abertas... Eram quase um paraíso para um

noturno como eu. Eram bares, velhos e novos, dos mais variados preços, desde bares de

luxo até aqueles onde dois réis pagavam a mesa inteira. Com as placas da frente

descascadas por causa do forte sol da manhã, que por algum motivo, para mim as

tornavam ainda mais atraentes.

Meu espírito ansiava por entrar em qualquer um que fosse, para se depositar em

uma mesa ao fundo e contemplar o melhor que o lugar tinha a fornecer. Admirar as

doces fragrâncias dos charutos importados da Colômbia até os fortes e doces vinhos

diretos da Itália. E mesmo que não tivessem vinho, qualquer bebida que tragasse minha

alma com álcool me seria suficiente para me satisfazer. Ao mesmo tempo, me

contentaria com uma conversa entre dois alterados pela bebida e suas discussões fúteis.

Ou então, aproveitaria o momento para discutir fatos religiosos e filosóficos com um

pseudointelectual qualquer, não para me apegar a conversa, mas ter certeza de que ainda estaria sóbrio.

Mas naquele momento em especial, eu não me sentia disposto a fazer nenhuma

daquelas coisas. Eu não estava disposto a nada, nem podia sequer entender como teria

me dado ao trabalho de sair de casa e permanecer à rua. Tudo continuava a ser culpa da vida.

Eu me sentia sozinho naquela rua, e com os olhos fixos para frente, pude jurar

ouvir passar uma noviça perto de mim, com seu vestido branco esvoaçado e um riso de

criança, mas quando olhei não havia nada além de um gato abandonado a esquina. Ele

encontrou meus olhos, e imediatamente seus pelos eriçaram e ele sumiu por um beco

escuro.

Ele me assustou por algum motivo e me incomodava saber que era cinza.

Poderia ter passado horas tentando entender o porquê de ter visto algo branco próximo

de mim, mas a lua já havia passado do ápice e eu sabia que não poderia chegar depois

da hora.

Remexi meus ombros, tentando repor o casaco no lugar certo, mas eu me sentia

tão minúsculo diante do destino que até minhas roupas pareciam maiores. Pus as minhas mãos que começavam a ficar geladas no bolso, e sem querer encontrei no fundo dele um anel. Mais uma lembrança do motivo pelo qual eu estava ali.

Caminhei a passos rápidos, e enquanto passava na frente de uma taverna, um

homem bambo saiu de lá com uma garrafa em mãos. Ele logo me localizou e com

passos tortos tentou chegar a mim oferecendo a bebida. Eu me preparei para dar um tapa em sua mão para derrubar a garrafa, somente pelo prazer de vê-lo se enfurecer e não conseguir fazer nada a respeito, mas novamente um vulto branco passou por perto de mim, atraindo minha atenção.

Dessa vez era mais detalhado, com os mesmos cachos e olhos dela, com o

mesmo vestido branco esvoaçado e riso de criança. Ela me distraiu, e trouxe à tona

todas as memórias que eu queria esquecer. Aquela aparição me afetou muito, e a dor das lembranças me levou de joelhos ao chão. Pus as mãos em meus cabelos tentando me concentrar e não perder o controle.

Quando olhei para frente havia um par de sapatos acabados, os do bêbado. O seu

olhar apesar de confuso parecia me julgar, como se conhecesse cada um dos meus

pecados, como se soubesse a minha sentença.

— Vocês tomou a decisão incorreta, meu filho — soluço —, se for para ficar,

tome um pouco.

— O quê? — perguntei, engolindo em seco.

— Você entendeu. Se não for tomar, terei que dar o resto a ela.

Sem ao menos pensar, eu roubei a garrafa de sua mão e a virei em minha

garganta. Era uma dose muito forte para minha garganta, que ferveu queimada. Podia

sentir uma boa parcela do líquido escorrendo pelo meu rosto e manchando minhas

roupas, mas eu faria qualquer coisa para que ela não tomasse aquilo.

Assim que terminei a garrafa, abri os olhos arfando o senhor já não estava mais

lá. Eu não podia acreditar que eu tinha tornado uma garrafa à toa. Mas não era hora de

reclamar, eu precisava chegar na hora certa.

Continuei caminhando, até o fim da rua, sem me importar mais se via vultos ou

gatos se esgueirando para me observar por um caminho trágico.

Uma brisa soprou em minha direção.

— Assassino — assoviava o vento.

Não havia como negar, até mesmo o ar sabia da verdade.

Era somente deixar as taças onde estavam, uma em frente a minha noiva e uma

em frente ao meu capitão. Mas eu havia me esquecido e as confundi.

Peguei o laço em meu pescoço e enrolei na árvore que ficava no topo do morro.

Ela estava sozinha como eu.

Do alto, podia ver os leves brilhos da boemia, da minha antiga vida. Podia ver os

barcos atracando no porto com seus capitães rabugentos e mortíferos. Podia ver onde ela dormia, debaixo do solo, longe de mim.

E então pulei para perto dela, deixando uma parte de mim na árvore.


 
 
 

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